Materialidades e Objectualidades
Em parceria com Universidade Lusófona - Centro Universitário do Porto
Como uma sombra desvirtuada do vivo e dos humanos em particular – os únicos a quem, na história do Ocidente, foi reconhecida uma alma, uma personalidade, uma voz – os objectos e as matérias não-orgânicas foram sendo devotados a uma inferioridade de estatuto, a um mutismo passivo refém de uma subserviência instrumental que os projectou como meros meios para fins. Apesar da subalternidade ontológica do material, das ditas coisas inanimadas, é difícil não reconhecer que o vivo, e também o humano em particular, sempre se inscreveu no não-vivo: nas ferramentas e nos instrumentos, nas coisas que recolhe, nos tótemes e nas mercadorias fetichizadas ou, enfim, nas materialidades naturais que vai moldando e com as quais constitui o seu habitat. Numa formulação na qual ecoarão outras de origens distintas, de Karl Marx a Martin Heidegger, de Marcel Mauss a Bruno Latour, os humanos individuam-se através das coisas, por meio delas, no meio delas, confiando-lhes a história e a memória, o desejo e a interdição, a esperança e o futuro. Na assunção destas implicações, vislumbra-se, como refere o antropólogo Arjun Appadurai, "uma vida social das coisas", cuja profusão indisciplinada e presença promíscua expõem a materialidade do real como condição de possibilidade de tudo o que existe. Como uma ferida narcísica que é posta a descoberto, o interesse pelos objectos, pelas materialidades e pelo não-humano cresceu ao longo das últimas décadas, não sendo indiferentes a esta redescoberta os fenómenos planetários a que se assiste, naturais e humanitários. Perante a reabilitação da potência recalcada do material, emergem imperativos éticos – nem universalistas, nem hegemónicos – que abrem espaço a múltiplas revisões da auto-percepção dos humanos, da antropologia à filosofia, das artes à tecnologia, das ciências naturais à política. É no pluralismo destas interrogações que o presente ciclo de conferências se inscreve. — Manuel Bogalheiro & Isabel Babo (Universidade Lusófona)