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Entrevista

Helder Seabra e Ana Figueira (Instável – Centro Coreográfico)

Janeiro

2022

Sex
14
Helder Seabra, coreógrafo, e Ana Figueira, diretora da Instável – Centro Coreográfico, falam sobre Lowlands, uma peça com estreia agendada para os dias 21 e 22 de janeiro, no Grande Auditório do Teatro Rivoli (com transmissão online no dia 23 de janeiro, no site do TMP), no âmbito do programa do 90º Aniversário do Teatro Rivoli

Como irão transformar o palco do Rivoli para Lowlands — uma área onde a terra está próxima ou abaixo do nível do mar? Falam da teoria de Freud, da metáfora do icebergue, a questão do consciente e inconsciente.


Helder Seabra (HS): Eu não estou a tentar explicar a teoria de Freud ou algo do género. Gosto sempre de tomar como ponto de partida uma ideia, um conceito, ou algo que me desperte questões. Sobretudo sobre o lado humano, mais do que da dança. Aliás, isso tem alguma importância: sou professor de dança, coreógrafo e tudo mais, mas tenho sempre um paradoxo em gostar e não gostar de dança. Para mim, em primeiro lugar, a dança é movimento, movimento é humano, e eu costumo lembrar a todos com quem trabalho que, antes, durante e depois de bailarinos, somos sempre humanos. Esse é o ponto de partida de tudo. No que diz respeito à teoria de Freud, é também um ponto de partida para podermos pesquisar como esta teoria se manifesta fisicamente, na palavra, no som, entre a nossa cabeça e o nosso corpo, entre duas pessoas, entre o grupo. Para mim, foi essencialmente importante para poder pesquisar dentro das memórias e ligações invisíveis que existem entre nós todos. Não tentar explicar a teoria de Freud, mas tentar provocá-la e questioná-la. Uma das coisas que tenho dito desde o início da criação é que se o grupo não estiver a sentir, a experienciar, se não estiver a incorporar as suas questões, as suas memórias, os seus dejavus, eu também não conseguirei entrar em cada um deles. É muito importante que eles possam sentir o que estão a falar e a experienciar, antes de o passar para o lado performativo.  

Neste momento, estamos a meio da sexta semana, ainda temos muito trabalho pela frente. É a parte mais importante da criação — como dramaturgicamente podemos expôr todos estes tableau vivants que falam de diferentes momentos e diferentes ideias sobre a teoria de Sigmund Freud. Tenho tendência a não seguir a dramaturgia como tradicionalmente a pensamos. Gosto de lançar tanto os bailarinos como o público — para dentro de uma floresta, vou deixando “pequenas migalhas de pão” para me seguirem, para não lhes dar tudo de antemão. Dar algo para que as pessoas possam ter a sua própria perceção do mundo que estou a criar.

Como os corpos dos bailarinos estão a reagir aos diferentes estados que a teoria de Freud aborda?

HS: Não estou à procura de “mini-Helders”. Gosto de tentar criar este mundo, onde logo à partida crio regras de trabalho, uma arena onde podemos trabalhar e dar espaço onde cada um possa ser o próprio dentro dessa ideia e projeto. Não estou à procura de uma linguagem completamente linear, mas sim experimental. Existe assim um universo de som, imagem e fisicalidade muito próprio onde os intérpretes, de forma individual e coletiva, vão habitar. Antes de bailarinos é importante a relação humana que tenho com eles. Todos me inspiram bastante. As ideias vão alterando-se conforme nos vamos descobrindo. Eu não quero formatá-los. É uma colaboração com todos onde há espaço para gerar situações em que cada um possa ser original.

Para além da fisicalidade, a que recursos e elementos irão recorrer?

HS: A fisicalidade é um ponto de partida. Ainda assim, sou muito inspirado pelo cinema e pela fotografia. Relativamente aos elementos imagéticos, é necessário que eles se envolvam e, juntos, criem um todo, um universo. Uma parte importante do trabalho é então encontrar esta linha ténue em que todos os elementos se fundem e criam uma única imagem. Por exemplo, há neste momento uma imagem que não posso criar em estúdio, apenas em palco, mas antes de a alcançar, já estou a trabalhar na sua fisicalidade e no aspeto sonoro. Tudo isto funciona como peças de puzzle que montam uma peça maior, que porventura passam o conceito que queremos passar ao público.

Esta é uma coprodução do TMP com a Instável – Centro Coreográfico, com oito intérpretes que vivem ou trabalham a partir da região Norte. Como correu este processo de seleção e de criação? A relação entre a Instável e o Helder tem já vários anos...

Ana Figueira (Instável – Centro Coreográfico): Esta peça reúne uma série de aspetos representativos da Instável, da sua relação com a cidade do Porto, com este teatro e o convite ao Helder. A coprodução com o Teatro Municipal do Porto e esta data tão importante criam um marco importante na Companhia Instável.
Por outro lado, o Helder esteve connosco ao longo de vários projetos. Participou várias vezes como intérprete... O último trabalho foi uma recriação do Wim Vandekeybus, participação essa que coincidiu com uma mudança significativa para o Helder, pois integrou a peça com a companhia Wim Vandekeybus na Bélgica. Mais tarde foi também convidado como jovem coreógrafo da Instável e agora fazemos este convite novamente.
Portanto, há aqui um ciclo onde se reforça esta ligação ao Teatro Municipal do Porto, à Instável e à cidade.

Por outro lado, a Instável tem tido a missão de criar oportunidades profissionais a intérpretes e bailarinos. Normalmente, fazemos obrigatoriamente audições e pelo menos metade do elenco é português. Esta proposta de ser principalmente um projeto para intérpretes do Porto reforça esta questão das oportunidades, da conexão à cidade e à sua crescente comunidade de artistas na área.
As audições foram incríveis, pois foram realizadas durante a pandemia, em julho, numa fase em que as coisas se estavam a complicar novamente. Tivemos muito cuidado e ainda assim acabaram por ser umas audições muito intensas e chegaram-nos bailarinos muito interessantes, o que mostra que esta seleção é excelente, mas haveria fora dela opções também muito boas.
Relativamente ao processo de trabalho, também importa referir que eles iniciaram o pensamento, o conceito e a criação de material com três meses de antecedência. Então, quando efetivamente chega o momento da dita fisicalidade e dos ensaios, já todo o grupo está muito dentro do processo. Isto é uma coisa mais ou menos habitual, mas eu nunca tinha visto um coreógrafo lançar propostas com tanta antecedência e intensidade ao seu grupo.

Ana Figueira © José Caldeira / TMP

© José Caldeira / TMP

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