Entrevista
Julieta Guimarães e Vasco Gomes (Mostra Estufa)
Dezembro
2022
Sex
16
No fim de semana de 17 e 18 de dezembro, volta a nascer uma estufa no Teatro Campo Alegre. São dias de Mostra Estufa, um laboratório de circo contemporâneo da Erva Daninha — com coprodução do TMP —, que apresenta um programa com trabalhos de Lia Vilão (“EVOCAR”), Shai Hanaor, María López del Peso e Irit Cahn (“Shelí”) e Ivo Nicolau (“O que não era para o Manel, nem o Zé comeu, aliás Ninguém comeu”). Conversámos com Julieta Guimarães e Vasco Gomes, da Erva Daninha, sobre estes cinco anos de Mostra Estufa e as propostas que vamos conhecer durante este fim de semana.
Que balanço fazem destes cinco anos de Mostra Estufa?
Julieta Guimarães (JG): O balanço é super positivo. Passaram cinco anos e só agora é que me apercebi disso... Tem sido muito rica esta possibilidade que o TMP nos deu, de trazermos, todos os anos, três artistas e darmos-lhes este espaço de investigação, de erro, de ponto de partida. Tem sido fundamental! Sentimos que tem captado a atenção de outros programadores. Há muitos projetos que nascem aqui e crescem já fora do âmbito desta mostra. Outros acabam por ser só uma experiência, mas contribuem, sem dúvida, para a carreira de várias pessoas que passaram pela [Mostra] Estufa.
Vasco Gomes (VG): Acho que há também aqui um mix importante no conceito de estufa, tanto do lado da comunidade artística de circo, como do lado do público. Primeiro, relaciona-se com a ideia de ter as condições próximas das ideais para uma semente sair cá para fora e crescer — a comunidade já sabe que tem aqui um ciclo anual em que se podem apresentar, preparar e arriscar com os seus projetos. Em segundo lugar, é o facto de ser importante para o público, que percebemos que vem com vontade de ver coisas novas, espetáculos que são completamente novos e experiências de artistas jovens - não só em termos de idade, mas também na própria frescura das propostas.
O que foram descobrindo, adaptando no projeto, ao longo destes cinco anos, nomeadamente face às vossas expectativas iniciais? O que têm já em mente para próximas edições do projeto?
JG: A Mostra Estufa foi criada a partir da nossa experiência, percebendo quais as nossas dificuldades. Tentamos dar aos artistas esses pequenos confortos, normalmente, as maiores dificuldades que têm, tais como a convivência com as outras áreas (técnica, produção, etc.). Não é só vir aqui, estar esta semana no teatro e apresentar o espetáculo. É todo o apoio que há durante o ano. Esta é uma das coisas que nós decidimos reforçar no futuro: não só darmos o apoio financeiro, o espaço, a semana de mostra, como também reforçar uma série de apoios (protocolos internacionais, aumento das verbas, tempo de dedicação), para tentar que os projetos cresçam e saiam cada vez mais preparados. Não ser só um ponto de partida, mas talvez uma chegada. O nosso objetivo no futuro será mais este.
VG: Também tem que ver — e aí noto alguma evolução — com o contacto e a comunicação com os artistas. É difícil pegar num trabalho, que, muitas vezes, no circo é algo de poucos minutos, de dois a três minutos. Uma coisa fugaz, super interessante, que se consegue ver um futuro, que tem muito a mostrar e a dizer, mas de uma forma muito curta, e perceber como é que conseguimos motivar o artista para construir e trabalhar. Mas, ao mesmo tempo, a Estufa não pretende ter espetáculos encerrados em si mesmos, super fechados e herméticos. E é muito interessante como a comunicação com os artistas — e também com o público — foi evoluindo ao longo dos cinco anos. Porque não é fácil para um artista jovem, que está a começar e, muitas vezes, o circo tem esta exigência técnica muito pesada, misturar isto e fazer ainda uma criação, conseguir transmitir aquilo que quer. Mas, ao mesmo tempo, continuarmos a ter este cunho experimental que a Estufa de ter. É uma mostra, o público vem ver um espetáculo com três projetos, mas há um lugar para o erro e para a experiência. E isso foi uma evolução ao longo destes cinco anos.
JG: Este ano é uma experiência curiosa: [a Mostra Estufa] calha quase no Natal. Então, há esta associação do circo ao Natal e, no nosso caso, este circo é diferente do circo tradicional e clássico, que as pessoas estão habituadas a associar ao Natal. Então, vai ser uma experiência engraçada nesse sentido: estar tão próximo do Natal e as pessoas procurarem o circo, mas, de repente, tem aqui a oferta de um circo que é bastante diferente daquilo que costuma ser apresentado.
O que podemos esperar desta quinta edição?
VG: Tentamos ter sempre uma característica: artistas portugueses que vivem, estudam ou trabalham fora de Portugal ou artistas de qualquer nacionalidade, mas que residem ou estudam aqui no território.
Este ano, temos um projeto bastante internacional, o Shelí, de duas artistas israelitas e uma espanhola com trapézio. Vão trabalhar o lugar da mulher na atualidade, a beleza, a força da mulher, numa mistura de três corpos com um só trapézio. O trapézio é manipulado ao vivo. Nós vemos esta manipulação. Há muito este lado, que é um cunho importante na evolução do circo, no qual durante muito tempo escondeu-se muita coisa para trazer uma ilusão. Agora, revela-se tudo ao público, que está no próprio jogo e vê o puxar das cordas, como tudo isto funciona. Tem esse lado muito interessante esse projeto.
Depois temos a Lia Vilão que traz um projeto sobre o outro lado da vida, da morte, dos ciclos, do renascimento. Através de uma técnica muito interessante, muito antiga no circo, que se foi perdendo ao longo dos anos e que, na última década, regressou: a suspensão capilar. É uma técnica que se utilizou durante muitas décadas, mas que se deixou de usar, talvez, por razões óbvias - devido à dor e ao trabalho físico que exige. Mas, agora, há aqui um renovar desta técnica, há bastantes artistas a trabalhar. E a Lia traz-nos esse lado. O projeto chama-se Evocar e está muito relacionado com essa questão da leveza e do peso da existência. É quase uma levitação dela mesma. Ela manipula-se a si mesma, através da suspensão capilar.
Por último, temos também o Ivo Nicolau, um jovem artista com 20, 21 anos. Estou a reforçar a questão da idade, porque era uma coisa que nós queríamos: tentar ter não só projetos jovens, mas também ter jovens artistas, em relação à idade, acabados de sair das escolas. O Ivo traz um trabalho como malabarista com uma relação muito interessante com o corpo, o movimento e o teatro físico. Um universo sem sentido, sem lógica, cheio de personagens que mudam, adereços que nos parecem completamente inusitados e que nos transportam para memórias de histórias que todos temos. Tudo sem qualquer lógica. É a ideia do seu projeto, que tem um nome que procura enganar-nos um pouco: O que não era para o Manel, nem o Zé comeu, aliás Ninguém comeu.
São estes os três projetos que vamos apresentar no auditório do Teatro Campo Alegre. Nos dois intervalos, vamos ter vídeo nas transições de cada proposta. São vídeos captados pela Ashleigh Georgiou, que acompanhou a última fase de ensaios.
Que balanço fazem destes cinco anos de Mostra Estufa?
Julieta Guimarães (JG): O balanço é super positivo. Passaram cinco anos e só agora é que me apercebi disso... Tem sido muito rica esta possibilidade que o TMP nos deu, de trazermos, todos os anos, três artistas e darmos-lhes este espaço de investigação, de erro, de ponto de partida. Tem sido fundamental! Sentimos que tem captado a atenção de outros programadores. Há muitos projetos que nascem aqui e crescem já fora do âmbito desta mostra. Outros acabam por ser só uma experiência, mas contribuem, sem dúvida, para a carreira de várias pessoas que passaram pela [Mostra] Estufa.
Vasco Gomes (VG): Acho que há também aqui um mix importante no conceito de estufa, tanto do lado da comunidade artística de circo, como do lado do público. Primeiro, relaciona-se com a ideia de ter as condições próximas das ideais para uma semente sair cá para fora e crescer — a comunidade já sabe que tem aqui um ciclo anual em que se podem apresentar, preparar e arriscar com os seus projetos. Em segundo lugar, é o facto de ser importante para o público, que percebemos que vem com vontade de ver coisas novas, espetáculos que são completamente novos e experiências de artistas jovens - não só em termos de idade, mas também na própria frescura das propostas.
O que foram descobrindo, adaptando no projeto, ao longo destes cinco anos, nomeadamente face às vossas expectativas iniciais? O que têm já em mente para próximas edições do projeto?
JG: A Mostra Estufa foi criada a partir da nossa experiência, percebendo quais as nossas dificuldades. Tentamos dar aos artistas esses pequenos confortos, normalmente, as maiores dificuldades que têm, tais como a convivência com as outras áreas (técnica, produção, etc.). Não é só vir aqui, estar esta semana no teatro e apresentar o espetáculo. É todo o apoio que há durante o ano. Esta é uma das coisas que nós decidimos reforçar no futuro: não só darmos o apoio financeiro, o espaço, a semana de mostra, como também reforçar uma série de apoios (protocolos internacionais, aumento das verbas, tempo de dedicação), para tentar que os projetos cresçam e saiam cada vez mais preparados. Não ser só um ponto de partida, mas talvez uma chegada. O nosso objetivo no futuro será mais este.
VG: Também tem que ver — e aí noto alguma evolução — com o contacto e a comunicação com os artistas. É difícil pegar num trabalho, que, muitas vezes, no circo é algo de poucos minutos, de dois a três minutos. Uma coisa fugaz, super interessante, que se consegue ver um futuro, que tem muito a mostrar e a dizer, mas de uma forma muito curta, e perceber como é que conseguimos motivar o artista para construir e trabalhar. Mas, ao mesmo tempo, a Estufa não pretende ter espetáculos encerrados em si mesmos, super fechados e herméticos. E é muito interessante como a comunicação com os artistas — e também com o público — foi evoluindo ao longo dos cinco anos. Porque não é fácil para um artista jovem, que está a começar e, muitas vezes, o circo tem esta exigência técnica muito pesada, misturar isto e fazer ainda uma criação, conseguir transmitir aquilo que quer. Mas, ao mesmo tempo, continuarmos a ter este cunho experimental que a Estufa de ter. É uma mostra, o público vem ver um espetáculo com três projetos, mas há um lugar para o erro e para a experiência. E isso foi uma evolução ao longo destes cinco anos.
JG: Este ano é uma experiência curiosa: [a Mostra Estufa] calha quase no Natal. Então, há esta associação do circo ao Natal e, no nosso caso, este circo é diferente do circo tradicional e clássico, que as pessoas estão habituadas a associar ao Natal. Então, vai ser uma experiência engraçada nesse sentido: estar tão próximo do Natal e as pessoas procurarem o circo, mas, de repente, tem aqui a oferta de um circo que é bastante diferente daquilo que costuma ser apresentado.
O que podemos esperar desta quinta edição?
VG: Tentamos ter sempre uma característica: artistas portugueses que vivem, estudam ou trabalham fora de Portugal ou artistas de qualquer nacionalidade, mas que residem ou estudam aqui no território.
Este ano, temos um projeto bastante internacional, o Shelí, de duas artistas israelitas e uma espanhola com trapézio. Vão trabalhar o lugar da mulher na atualidade, a beleza, a força da mulher, numa mistura de três corpos com um só trapézio. O trapézio é manipulado ao vivo. Nós vemos esta manipulação. Há muito este lado, que é um cunho importante na evolução do circo, no qual durante muito tempo escondeu-se muita coisa para trazer uma ilusão. Agora, revela-se tudo ao público, que está no próprio jogo e vê o puxar das cordas, como tudo isto funciona. Tem esse lado muito interessante esse projeto.
Depois temos a Lia Vilão que traz um projeto sobre o outro lado da vida, da morte, dos ciclos, do renascimento. Através de uma técnica muito interessante, muito antiga no circo, que se foi perdendo ao longo dos anos e que, na última década, regressou: a suspensão capilar. É uma técnica que se utilizou durante muitas décadas, mas que se deixou de usar, talvez, por razões óbvias - devido à dor e ao trabalho físico que exige. Mas, agora, há aqui um renovar desta técnica, há bastantes artistas a trabalhar. E a Lia traz-nos esse lado. O projeto chama-se Evocar e está muito relacionado com essa questão da leveza e do peso da existência. É quase uma levitação dela mesma. Ela manipula-se a si mesma, através da suspensão capilar.
Por último, temos também o Ivo Nicolau, um jovem artista com 20, 21 anos. Estou a reforçar a questão da idade, porque era uma coisa que nós queríamos: tentar ter não só projetos jovens, mas também ter jovens artistas, em relação à idade, acabados de sair das escolas. O Ivo traz um trabalho como malabarista com uma relação muito interessante com o corpo, o movimento e o teatro físico. Um universo sem sentido, sem lógica, cheio de personagens que mudam, adereços que nos parecem completamente inusitados e que nos transportam para memórias de histórias que todos temos. Tudo sem qualquer lógica. É a ideia do seu projeto, que tem um nome que procura enganar-nos um pouco: O que não era para o Manel, nem o Zé comeu, aliás Ninguém comeu.
São estes os três projetos que vamos apresentar no auditório do Teatro Campo Alegre. Nos dois intervalos, vamos ter vídeo nas transições de cada proposta. São vídeos captados pela Ashleigh Georgiou, que acompanhou a última fase de ensaios.