ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures
Crónica das Margens. Lição n.º 3
Julho
2021
Seg
5
ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures
Crónica das Margens*
Lição n.º 3
Pedra no Rim. Fabrizio Matos, Israel Pimenta e João Araújo, Mapa de Despojos
A aula de hoje desviou-nos o olhar para o chão. A oficina de cerâmica Pedra no Rim mapeia a freguesia do Bonfim, percorrendo as suas ruas, e atenta ao seu lado mais feio e rastejante, aquele lado da cidade que temos tendência a ignorar, que preferimos não ver, mesmo sabendo que está ali, que integra o nosso quotidiano e a nossa paisagem e que demarca o território que habitamos, numa invisibilidade falível. Do nome deste coletivo infere-se desde logo o desconforto da sua agenda: reanimar os despojos que se querem esconder do olhar e que o próprio olhar rejeita quase instintivamente, porque repugnam e repelem.
Mas este mapa não se limita a uma espécie de arqueologia urbana, enquanto recolha de vestígios materiais de presença humana. Fabrizio Matos, Israel Pimenta e João Araújo fotografam (e por vezes recolhem e transportam para a oficina) objetos grotescos encontrados no chão – de sapatilhas e capachinhos a sapos espalmados por carros e pombas atacadas por gaivotas – para os transformarem em objetos belos, numa tradição de cerâmica à qual a freguesia do Bonfim está também intimamente ligada. Mas neste caso há uma crítica à cerâmica industrial e ao souvenir turístico – a Pedra no Rim tem três anos e meio de autodidatismo em progresso e, conduzida por artistas plásticos que decidiram olhar para o chão, tem mais uma “vista triste”.
Não há aqui a pretensão de transformação de fealdade em beleza, de uma operação de branqueamento ou de reprodução aligeirada e cómica de objetos repugnantes – há antes, em essência, uma sátira política e um olhar crítico sobre a cidade e especificamente sobre a freguesia do Bonfim. Na aula-oficina da Pedra no Rim, antes de um périplo pela freguesia até ao espaço da oficina, aprendemos a moldar um sapo atropelado, referência serial à presença da extrema-direita na freguesia, também para não esquecermos que em breve haverá eleições.
*Crónica das Margens - Gisela Leal, Cronista das Margens, acompanhará as expedições trans/inter/fronteiriças da ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures, fazendo o levantamento de coordenadas e o reconhecimento dos territórios sensíveis explorados pelos "novos cartógrafos" da cidade nesta sala de aula a céu aberto. Diariamente, em modo grafado e/ou gravado, fará o resumo da matéria dada.
Crónica das Margens*
Lição n.º 3
Pedra no Rim. Fabrizio Matos, Israel Pimenta e João Araújo, Mapa de Despojos
Por Gisela Leal
A aula de hoje desviou-nos o olhar para o chão. A oficina de cerâmica Pedra no Rim mapeia a freguesia do Bonfim, percorrendo as suas ruas, e atenta ao seu lado mais feio e rastejante, aquele lado da cidade que temos tendência a ignorar, que preferimos não ver, mesmo sabendo que está ali, que integra o nosso quotidiano e a nossa paisagem e que demarca o território que habitamos, numa invisibilidade falível. Do nome deste coletivo infere-se desde logo o desconforto da sua agenda: reanimar os despojos que se querem esconder do olhar e que o próprio olhar rejeita quase instintivamente, porque repugnam e repelem.
Mas este mapa não se limita a uma espécie de arqueologia urbana, enquanto recolha de vestígios materiais de presença humana. Fabrizio Matos, Israel Pimenta e João Araújo fotografam (e por vezes recolhem e transportam para a oficina) objetos grotescos encontrados no chão – de sapatilhas e capachinhos a sapos espalmados por carros e pombas atacadas por gaivotas – para os transformarem em objetos belos, numa tradição de cerâmica à qual a freguesia do Bonfim está também intimamente ligada. Mas neste caso há uma crítica à cerâmica industrial e ao souvenir turístico – a Pedra no Rim tem três anos e meio de autodidatismo em progresso e, conduzida por artistas plásticos que decidiram olhar para o chão, tem mais uma “vista triste”.
Não há aqui a pretensão de transformação de fealdade em beleza, de uma operação de branqueamento ou de reprodução aligeirada e cómica de objetos repugnantes – há antes, em essência, uma sátira política e um olhar crítico sobre a cidade e especificamente sobre a freguesia do Bonfim. Na aula-oficina da Pedra no Rim, antes de um périplo pela freguesia até ao espaço da oficina, aprendemos a moldar um sapo atropelado, referência serial à presença da extrema-direita na freguesia, também para não esquecermos que em breve haverá eleições.
*Crónica das Margens - Gisela Leal, Cronista das Margens, acompanhará as expedições trans/inter/fronteiriças da ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures, fazendo o levantamento de coordenadas e o reconhecimento dos territórios sensíveis explorados pelos "novos cartógrafos" da cidade nesta sala de aula a céu aberto. Diariamente, em modo grafado e/ou gravado, fará o resumo da matéria dada.