ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures
Crónica das Margens. Lição n.º 5
Julho
2021
Qui
8
ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures
Crónica das Margens*
Lição n.º 5
Rebecca e Yasmine Moradalizadeh, Mapa Sahari-Rozeh-Iftar: Comunidade Islâmica do Porto
O dia de hoje começou com uma visita de estudo a um das duas mesquitas da cidade, o Centro Cultural Islâmico do Porto, na Rua do Heroísmo, onde tivemos um primeiro encontro com o islão conduzidos pelos passos e espaços de culto desta religião, na sua maior parte reservada aos homens, curiosamente num grupo maioritariamente feminino. Chegámos aqui por intervenção de Rebecca e Yasmine Moradalizadeh, duas irmãs e artistas plásticas luso-iranianas cujo trabalho – de há alguns anos a esta parte no caso de Rebecca e mais recentemente no caso de Yasmine – está intimamente ligado à história familiar, que cruza Portugal, o Reino Unido e o Irão. A sua proposta é a de mapear a presença da comunidade islâmica na cidade do Porto com o intuito de promover a interrupção da sua invisibilidade e desmistificar preconceitos que lhe estão comummente associados.
É-nos traçado um percurso na cidade, entre Campanhã e a Batalha, dois pontos essenciais de mobilidade e vivência desta comunidade, onde os sentidos, se atentos, facilmente são conduzidos pelos odores e pelas cores semiocultos ou camuflados dos ingredientes, pela musicalidade, pelas palavras e pela descrição da presença muçulmana. É desta sinestesia entranhada na cidade, mas que lhe é ao mesmo estranha, que nos fala o mapa de Rebecca e Yasmine: esta cultura que faz parte do Porto, que o integra, ainda que se esconda da cidade, e que a cidade pareça preferir manter velada.
O dia começou pela manhã, na mesquita, num contacto físico e intenso com o espaço de culto do islão no Porto, com a história da religião contada ao vivo por um elemento da direção do Centro Cultural Islâmico do Porto, Mahmoud Soares. Pela tarde, Rebecca e Yasmine deram uma lição de história e cultura muçulmana. Atravessaram séculos, países, etnias, famílias (partindo da sua) e partilharam experiências pessoais (também de xenofobia, típica mas particularmente incompreensível em alguém que se situa entre duas culturas e que quer precisamente contruir pontes, porque se entende como uma). A cartografia que definem tem como estrutura o eixo Batalha-Campanhã, sobre o qual desenham uma linha baseada no bordado iraniano (Pateh), transmitido em descendência feminina. Daqui surgiriam em aula muitas possibilidades de discussão sobre feminismos e sobre os feminismos em contexto de religião, onde estas cartógrafas revelaram sensibilidades particulares, simultaneamente integradoras e fraturantes. Assumido como um projeto artístico em curso, este mapeamento e as suas formas de apresentação evoluirão com a investigação e a prática de Rebecca e Yasmine. Nesta fase, o seu mergulho na cultura levou-as a, por exemplo, experienciar o Ramadão pela primeira vez (de 12 de abril a 12 de maio, deste ano) e a terem de se relacionar com as dificuldades de se limitar a uma primeira refeição nutritiva antes de o sol nascer (sahari) e a tâmaras e água na quebra do jejum depois de o sol se pôr (iftar).
Num ato de generosidade e de partilha, foi dado aos alunos desta aula o privilégio de trazerem para casa sabores do Irão, apenas e só porque a pandemia não permite a socialização. A exemplo do que Rebecca já tinha vindo a fazer antes de ser interrompida pelo atual contexto antissocial, partilhando experiências gastronómicas iranianas em eventos performativos, os participantes foram brindados com um show cooking (desta vez, com a assistência de Yasmine) cujo resultado puderam trazer para casa.
*Crónica das Margens - Gisela Leal, Cronista das Margens, acompanhará as expedições trans/inter/fronteiriças da ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures, fazendo o levantamento de coordenadas e o reconhecimento dos territórios sensíveis explorados pelos "novos cartógrafos" da cidade nesta sala de aula a céu aberto. Diariamente, em modo grafado e/ou gravado, fará o resumo da matéria dada.
Crónica das Margens*
Lição n.º 5
Rebecca e Yasmine Moradalizadeh, Mapa Sahari-Rozeh-Iftar: Comunidade Islâmica do Porto
Por Gisela Leal
O dia de hoje começou com uma visita de estudo a um das duas mesquitas da cidade, o Centro Cultural Islâmico do Porto, na Rua do Heroísmo, onde tivemos um primeiro encontro com o islão conduzidos pelos passos e espaços de culto desta religião, na sua maior parte reservada aos homens, curiosamente num grupo maioritariamente feminino. Chegámos aqui por intervenção de Rebecca e Yasmine Moradalizadeh, duas irmãs e artistas plásticas luso-iranianas cujo trabalho – de há alguns anos a esta parte no caso de Rebecca e mais recentemente no caso de Yasmine – está intimamente ligado à história familiar, que cruza Portugal, o Reino Unido e o Irão. A sua proposta é a de mapear a presença da comunidade islâmica na cidade do Porto com o intuito de promover a interrupção da sua invisibilidade e desmistificar preconceitos que lhe estão comummente associados.
É-nos traçado um percurso na cidade, entre Campanhã e a Batalha, dois pontos essenciais de mobilidade e vivência desta comunidade, onde os sentidos, se atentos, facilmente são conduzidos pelos odores e pelas cores semiocultos ou camuflados dos ingredientes, pela musicalidade, pelas palavras e pela descrição da presença muçulmana. É desta sinestesia entranhada na cidade, mas que lhe é ao mesmo estranha, que nos fala o mapa de Rebecca e Yasmine: esta cultura que faz parte do Porto, que o integra, ainda que se esconda da cidade, e que a cidade pareça preferir manter velada.
O dia começou pela manhã, na mesquita, num contacto físico e intenso com o espaço de culto do islão no Porto, com a história da religião contada ao vivo por um elemento da direção do Centro Cultural Islâmico do Porto, Mahmoud Soares. Pela tarde, Rebecca e Yasmine deram uma lição de história e cultura muçulmana. Atravessaram séculos, países, etnias, famílias (partindo da sua) e partilharam experiências pessoais (também de xenofobia, típica mas particularmente incompreensível em alguém que se situa entre duas culturas e que quer precisamente contruir pontes, porque se entende como uma). A cartografia que definem tem como estrutura o eixo Batalha-Campanhã, sobre o qual desenham uma linha baseada no bordado iraniano (Pateh), transmitido em descendência feminina. Daqui surgiriam em aula muitas possibilidades de discussão sobre feminismos e sobre os feminismos em contexto de religião, onde estas cartógrafas revelaram sensibilidades particulares, simultaneamente integradoras e fraturantes. Assumido como um projeto artístico em curso, este mapeamento e as suas formas de apresentação evoluirão com a investigação e a prática de Rebecca e Yasmine. Nesta fase, o seu mergulho na cultura levou-as a, por exemplo, experienciar o Ramadão pela primeira vez (de 12 de abril a 12 de maio, deste ano) e a terem de se relacionar com as dificuldades de se limitar a uma primeira refeição nutritiva antes de o sol nascer (sahari) e a tâmaras e água na quebra do jejum depois de o sol se pôr (iftar).
Num ato de generosidade e de partilha, foi dado aos alunos desta aula o privilégio de trazerem para casa sabores do Irão, apenas e só porque a pandemia não permite a socialização. A exemplo do que Rebecca já tinha vindo a fazer antes de ser interrompida pelo atual contexto antissocial, partilhando experiências gastronómicas iranianas em eventos performativos, os participantes foram brindados com um show cooking (desta vez, com a assistência de Yasmine) cujo resultado puderam trazer para casa.
*Crónica das Margens - Gisela Leal, Cronista das Margens, acompanhará as expedições trans/inter/fronteiriças da ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures, fazendo o levantamento de coordenadas e o reconhecimento dos territórios sensíveis explorados pelos "novos cartógrafos" da cidade nesta sala de aula a céu aberto. Diariamente, em modo grafado e/ou gravado, fará o resumo da matéria dada.