ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures
Crónica das Margens. Lição n.º 8
Julho
2021
Ter
13
ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures
Crónica das Margens*
Lição n.º 8
Rodrigo Paglieri, RÁDIO-MAPA COMUNA: O caçador de ondas
O trabalho de mapeamento que Rodrigo Paglieri nos trouxe à ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures tem uma particular conotação ativista: remete para a reivindicação de um espaço de antena e de difusão de vozes de minorias, através das praticamente extintas rádios comunitárias. Depois da apresentação de alguns trabalhos anteriores que ajudaram a enquadrar a chegada a Rádio-Mapa Comuna, Rodrigo desafiou os alunos desta aula a fazer uma caminhada pela cidade em busca de vestígios de resistência.
Às costas, numa mochila, um rádio analógico e uma antena marcam a localização desta navegação etérea por ondas eletromagnéticas: o movimento do corpo refletirá a ausência e a presença de transmissão radiofónica, e eventuais interferências, no espaço hertziano escolhido por Rodrigo, a chamada frequência branca. E será este movimento que, transmitido em streaming através de um sistema de geolocalização para o Google Maps, marcará o percurso realizado e esta cartografia radical. A frequência branca que perseguimos corresponde à ausência de transmissão, e simultaneamente revela o vazio que poderia estar a ser ocupado por vozes dissonantes, alternativas e comunitárias. Hoje em dia, as poucas rádios comunitárias que ainda vão surgindo transmitem essencialmente online, já não recorrem ao seu espaço original, que ali se mantém, vazio, uniformemente branco e em silêncio.
A Lei da Rádio em Portugal, tal como noutros países europeus e no resto do mundo, foi inviabilizando ao longo das décadas o acesso das rádios comunitárias e de pequenas rádios locais ao direito de antena – as rádios pirata do início dos anos 1980, fenómeno que levou ao surgimento de centenas de rádios de iniciativa privada que ocupavam esses espaços, foram extintas por esta lei, que obrigou à legalização, regulamentação e consequente encerramento de rádios não oficiais. E é do exemplo deste tipo de iniciativa, mas também do uso da rádio em processos de contestação e luta política (como a dos mineiros chilenos na década de 1970 ou a dos movimentos de contracultura das décadas de 1960 e 70 nos Estados Unidos e na Europa) que parte a investigação de Rodrigo Paglieri. De origem chilena, com passagem pelo Brasil entre 1988 e 2018, chegou a Portugal em 2019, após uma caminhada de 1600 quilómetros entre Barcelona e o Porto que deu início ao projeto RÁDIONÓMADA, do qual este Rádio-Mapa Comuna descende. Há nele uma poética de ausência e de resistência, como um farol errante que recebe sinais sonoros e emite um rasto físico vibrante, contrariando uma invisibilidade fatídica.
Talvez faça sentido ser esta a última aula da ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures, e esta a sua última crónica: deixar-nos com um mapa que suporta a ideia de que nos vão sendo criados vazios sociais, num mundo digital, que podemos aprender a descodificar, denunciar e preencher. Com o corpo e com ferramentas próprias do digital.
*Crónica das Margens - Gisela Leal, Cronista das Margens, acompanhará as expedições trans/inter/fronteiriças da ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures, fazendo o levantamento de coordenadas e o reconhecimento dos territórios sensíveis explorados pelos "novos cartógrafos" da cidade nesta sala de aula a céu aberto. Diariamente, em modo grafado e/ou gravado, fará o resumo da matéria dada.
Crónica das Margens*
Lição n.º 8
Rodrigo Paglieri, RÁDIO-MAPA COMUNA: O caçador de ondas
Por Gisela Leal
O trabalho de mapeamento que Rodrigo Paglieri nos trouxe à ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures tem uma particular conotação ativista: remete para a reivindicação de um espaço de antena e de difusão de vozes de minorias, através das praticamente extintas rádios comunitárias. Depois da apresentação de alguns trabalhos anteriores que ajudaram a enquadrar a chegada a Rádio-Mapa Comuna, Rodrigo desafiou os alunos desta aula a fazer uma caminhada pela cidade em busca de vestígios de resistência.
Às costas, numa mochila, um rádio analógico e uma antena marcam a localização desta navegação etérea por ondas eletromagnéticas: o movimento do corpo refletirá a ausência e a presença de transmissão radiofónica, e eventuais interferências, no espaço hertziano escolhido por Rodrigo, a chamada frequência branca. E será este movimento que, transmitido em streaming através de um sistema de geolocalização para o Google Maps, marcará o percurso realizado e esta cartografia radical. A frequência branca que perseguimos corresponde à ausência de transmissão, e simultaneamente revela o vazio que poderia estar a ser ocupado por vozes dissonantes, alternativas e comunitárias. Hoje em dia, as poucas rádios comunitárias que ainda vão surgindo transmitem essencialmente online, já não recorrem ao seu espaço original, que ali se mantém, vazio, uniformemente branco e em silêncio.
A Lei da Rádio em Portugal, tal como noutros países europeus e no resto do mundo, foi inviabilizando ao longo das décadas o acesso das rádios comunitárias e de pequenas rádios locais ao direito de antena – as rádios pirata do início dos anos 1980, fenómeno que levou ao surgimento de centenas de rádios de iniciativa privada que ocupavam esses espaços, foram extintas por esta lei, que obrigou à legalização, regulamentação e consequente encerramento de rádios não oficiais. E é do exemplo deste tipo de iniciativa, mas também do uso da rádio em processos de contestação e luta política (como a dos mineiros chilenos na década de 1970 ou a dos movimentos de contracultura das décadas de 1960 e 70 nos Estados Unidos e na Europa) que parte a investigação de Rodrigo Paglieri. De origem chilena, com passagem pelo Brasil entre 1988 e 2018, chegou a Portugal em 2019, após uma caminhada de 1600 quilómetros entre Barcelona e o Porto que deu início ao projeto RÁDIONÓMADA, do qual este Rádio-Mapa Comuna descende. Há nele uma poética de ausência e de resistência, como um farol errante que recebe sinais sonoros e emite um rasto físico vibrante, contrariando uma invisibilidade fatídica.
Talvez faça sentido ser esta a última aula da ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures, e esta a sua última crónica: deixar-nos com um mapa que suporta a ideia de que nos vão sendo criados vazios sociais, num mundo digital, que podemos aprender a descodificar, denunciar e preencher. Com o corpo e com ferramentas próprias do digital.
*Crónica das Margens - Gisela Leal, Cronista das Margens, acompanhará as expedições trans/inter/fronteiriças da ARK Porto Escola dos Confins e de Nenhures, fazendo o levantamento de coordenadas e o reconhecimento dos territórios sensíveis explorados pelos "novos cartógrafos" da cidade nesta sala de aula a céu aberto. Diariamente, em modo grafado e/ou gravado, fará o resumo da matéria dada.