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Entrevista

António Lago

Setembro

2022

Sex
23
Nos dias 23 e 24 setembro, António Lago apresenta a sua nova criação, Beetje bij beetje, no Campo Alegre. Dias antes da estreia, o encenador explicou-nos como traçou um paralelismo entre as dinâmicas mecanizadas de um aeroporto e o progressivo estado de catástrofe para o qual o mundo caminha, pouco a pouco.

O título original da peça em neerlandês, traduzido para português, diz-nos que há algo que acontece “pouco a pouco”. É esse o seu significado? Se sim, a quem se direciona?

Talvez se direcione a todos nós. O sentido do título aponta para algo como “pouco a pouco” estamos no caminho para a catástrofe ou que “pouco a pouco” vamos todos cair no abismo. Ou seja, se nada for feito, se não tivermos consciência de tudo o que se passa à nossa volta - alterações climáticas, as crises de guerra, o aumento da extrema-direita, a exploração do ser humano pelo outro, o aumento do trabalho burocrático em que todos estamos atolados - “pouco a pouco”, se não tivermos cuidado, podemos todos ir parar a um sítio errado.

Beetje bij beetje é uma peça para cinco intérpretes descrita como “um retrato das nossas sociedades”. Como se desenvolve essa representação?

A peça passa-se dentro de um aeroporto e de um avião. À partida, não tinha ideias cenográficas e conceptuais, mas ao encontrar o espaço do aeroporto e do avião, pareceu-me o paradigma perfeito. É nestes espaços que o ser humano está mais isolado, está mais afastado do seu ambiente familiar, do seu conforto e da natureza. Num avião, estamos completamente fechados dentro de uma máquina e, no aeroporto, começa já todo este processo: em que nos afastamos, estamos expostos e quase perdemos a nossa identidade. No fundo, considero-o um “não-espaço”.

É neste ambiente mecanizado, onde se anula a individualidade, que se encontram estas problemáticas comuns a todos?

Sim. Estas pessoas acabam por cumprir tarefas exatamente iguais. É neste espaço, onde não temos qualquer tipo de identidade, que a personalidade individual é completamente anulada. Todos temos de cumprir aquilo que nos mandam fazer. Há, aqui, uma mecanização e uma despersonalização em termos coreográficos. Ficam notórias as noções do que é militar, estrutural e rígido. Novamente, noções que nos afastam da nossa identidade e da natureza.
Por isso, o aeroporto foi o espaço onde eu consegui encontrar todas estas crises. Ao mesmo tempo, todos temos o desejo de fugir para algum lado, apanharmos um avião e pormo-nos daqui para fora, irmos para uma ilha paradisíaca, já que estamos cansadíssimos. Os aviões são, ainda assim, das coisas mais poluentes que existem.
No texto da Isabela Figueiredo, encontrei essa dualidade e daí retirei esta base estética de “pós-cabaret”: o ritmo do espetáculo e o facto de ter quase sempre ambientes sonoros. As próprias entradas e saídas em palco têm também toda uma mecânica de show-off de um cabaret ou de uma “revista à portuguesa”. Encontrei neste espaço algo que nos é exigido, porque, por mais que estejamos desesperados e saturados, todos temos de responder, cumprir qualquer coisa, estar bem e dispostos a sobreviver dentro do que temos.
Este foi o texto que serviu na perfeição ao espetáculo: fala de alguém que é obrigado a afastar-se do seu espaço, de onde foi criado, por motivos de guerra. E, no final, reencontra-se na natureza. Não tendo absolutamente nada a ver, por vezes, lembra-me os finais dos filmes do Almodóvar.

O que podemos esperar da música original, cenografia e luz desta peça? De que forma estes elementos “alimentam” a coreografia?

Estes elementos têm uma relevância enormíssima, porque têm uma linguagem próxima. Está tudo interligado: a música, a luz e a coreografia estão em uníssono. Todas funcionam para a mesma intenção.
Em termos sonoros, há algo de militar, de bélico, de fanfarra, ao mesmo tempo, algo de techno. É maquinal e exotérico. Tem essa dualidade entre o lazer e o militar. Às vezes, quase se conjugam.

© José Caldeira

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