Entrevista
Né Barros
Fevereiro
2023
Qua
8
Depois de IO (2021) e Neve (2022), Né Barros apresenta, nos dias 17 e 18 de fevereiro, a terceira peça da série Paisagens, Máquinas e Animais no Grande Auditório do Teatro Rivoli. Falámos com a coreógrafa sobre Distante, uma peça que se foca na ideia de um corpo-máquina.
Com Distante, quais os diálogos que se estabelecem entre as peças da série Paisagens, Máquinas e Animais? E dentro da peça, com o que dialogam, com o que dialogaremos?
Quando eu pensei em iniciar esta série de trabalhos sob o título Paisagens, Máquinas e Animais, a ideia foi, por um lado, reunir um conjunto de desafios e questões que me têm acompanhado ao longo de vários trabalhos. No fundo, estas temáticas acabaram por estar sempre espelhadas, problematizadas e exploradas artisticamente em diferentes trabalhos. Aqui, decidi afunilar um pouco mais estas temáticas e criei uma primeira peça chamada IO, uma segunda chamada Neve e, agora, a terceira que será a Distante. Embora cada uma das peças seja autónoma entre si – ou seja, não precisa das outras para ser compreendida ou contextualizada –, no fundo, todas refletem o que é um corpo-paisagem, um corpo-animal ou um corpo-máquina. Contudo, para cada uma das peças, eu destinei um foco, uma ênfase em cada uma destas dimensões. Assim, no IO focamo-nos mais na ideia do corpo-animal, mais instintivo, mais errático, do ponto de vista de um certo grau evoluído do gesto. Na segunda peça, trabalhei mais a ideia de um corpo que se mobiliza na paisagem e que também é paisagem. Nesta [Distante], vamos focar mais na ideia de um corpo-máquina, através de uma relação que eu estabeleço de algo que evolui: a máquina e o tecnológico como algo que nos permite uma dada evolução. Neste caso, parto da esgrima como forma antiga de luta e de combate, mas que, entretanto, evolui para uma lógica de jogo e de corpo a corpo, para um lado mais ético. Essa evolução da técnica e de um corpo-máquina acontece porque pode rentabilizar o seu gesto e o seu esforço em função de qualquer coisa que queira atingir. E este lado, para mim, é importante, porque funciona como uma espécie de submensagem antiguerra. Podemos evoluir? É uma questão. Eu acho que sim!
Pode a máquina ser libertadora? E o que pode o corpo-máquina?
Há algo que temos de saber: a técnica e a tecnologia não nos vão salvar dos grandes males e dores do mundo. Vamos carregá-las para sempre e temos de nos habituar a lidar com esse mal e essa dor, com os problemas do mundo. Isso não significa ficarmos parados, temos de combatê-los, minimizá-los e sermos proativos, sentindo que no pequeno gesto, no micro, podemos fazer a mudança. Neste caso, a técnica e a máquina, na minha perspetiva, podem fazer justamente isso: os pequenos movimentos e as pequenas transformações que podem ter um impacto maior e que são fundamentais neste salto evolutivo de um corpo que utiliza o seu conhecimento – teórico ou prático – para fazer alguma mudança ou transformação. A arte está sempre aqui a ajudar-nos nisto, a colocar em causa uma série de valores e de questões que estão estabelecidas. Mais uma vez, a técnica nos serve para desafiar o que está estabelecido. E a máquina, para introduzir, de novo, o aleatório e a contingência, com os quais também temos de aprender a viver.
Qual é/que distância (possível) entre a poética e a ética?
É uma excelente questão. O caso da dança, concretamente, coloca-nos sempre questões éticas porque é imediato. É válido para qualquer forma de arte, mas na dança é muito claro, porque trabalhamos com o outro corpo, que não é abstrato. É um corpo com uma identidade, uma raça, as suas questões e singularidades, com as quais o coreógrafo vai trabalhar, lidar e dialogar artisticamente. Por isso, há logo um “Como vou jogar com o outro?”, um “Como me relaciono com o rosto do outro?”. O que é que o outro me está a dizer? Não posso ignorá-lo! Portanto, a partir daqui, há logo um princípio que tem de ser equacionado, quando a nossa matéria é o corpo do outro. No meu caso, desenvolvi uma metodologia de trabalho que precisamente tenta conciliar aquilo que é o meu impulso e a minha vontade de criação e de transformar o movimento em gesto e de trabalhar isso com o outro corpo. Eu chamo-lhe “familiaridade de movimento”, que passa por produzir uma série de material que vou explorando em improvisações e, a partir desse momento, existe um processo de transmissão mais direto e imediato, em que o bailarino capta - o que lhe ficou na memória, o que ficou retido – e, a partir daqui, criamos uma matéria coreográfica com familiaridades entre os diferentes corpos e gestos. Cada bailarino é um corpo, cada bailarino é um gesto. Portanto, há semelhanças e diferenças sistemáticas. Recorrendo a esta metodologia, consigo conciliar a diferença com a linha motriz do que quero expor, sem impor, sem formatar e sem modelar.
Com Distante, quais os diálogos que se estabelecem entre as peças da série Paisagens, Máquinas e Animais? E dentro da peça, com o que dialogam, com o que dialogaremos?
Quando eu pensei em iniciar esta série de trabalhos sob o título Paisagens, Máquinas e Animais, a ideia foi, por um lado, reunir um conjunto de desafios e questões que me têm acompanhado ao longo de vários trabalhos. No fundo, estas temáticas acabaram por estar sempre espelhadas, problematizadas e exploradas artisticamente em diferentes trabalhos. Aqui, decidi afunilar um pouco mais estas temáticas e criei uma primeira peça chamada IO, uma segunda chamada Neve e, agora, a terceira que será a Distante. Embora cada uma das peças seja autónoma entre si – ou seja, não precisa das outras para ser compreendida ou contextualizada –, no fundo, todas refletem o que é um corpo-paisagem, um corpo-animal ou um corpo-máquina. Contudo, para cada uma das peças, eu destinei um foco, uma ênfase em cada uma destas dimensões. Assim, no IO focamo-nos mais na ideia do corpo-animal, mais instintivo, mais errático, do ponto de vista de um certo grau evoluído do gesto. Na segunda peça, trabalhei mais a ideia de um corpo que se mobiliza na paisagem e que também é paisagem. Nesta [Distante], vamos focar mais na ideia de um corpo-máquina, através de uma relação que eu estabeleço de algo que evolui: a máquina e o tecnológico como algo que nos permite uma dada evolução. Neste caso, parto da esgrima como forma antiga de luta e de combate, mas que, entretanto, evolui para uma lógica de jogo e de corpo a corpo, para um lado mais ético. Essa evolução da técnica e de um corpo-máquina acontece porque pode rentabilizar o seu gesto e o seu esforço em função de qualquer coisa que queira atingir. E este lado, para mim, é importante, porque funciona como uma espécie de submensagem antiguerra. Podemos evoluir? É uma questão. Eu acho que sim!
Pode a máquina ser libertadora? E o que pode o corpo-máquina?
Há algo que temos de saber: a técnica e a tecnologia não nos vão salvar dos grandes males e dores do mundo. Vamos carregá-las para sempre e temos de nos habituar a lidar com esse mal e essa dor, com os problemas do mundo. Isso não significa ficarmos parados, temos de combatê-los, minimizá-los e sermos proativos, sentindo que no pequeno gesto, no micro, podemos fazer a mudança. Neste caso, a técnica e a máquina, na minha perspetiva, podem fazer justamente isso: os pequenos movimentos e as pequenas transformações que podem ter um impacto maior e que são fundamentais neste salto evolutivo de um corpo que utiliza o seu conhecimento – teórico ou prático – para fazer alguma mudança ou transformação. A arte está sempre aqui a ajudar-nos nisto, a colocar em causa uma série de valores e de questões que estão estabelecidas. Mais uma vez, a técnica nos serve para desafiar o que está estabelecido. E a máquina, para introduzir, de novo, o aleatório e a contingência, com os quais também temos de aprender a viver.
Qual é/que distância (possível) entre a poética e a ética?
É uma excelente questão. O caso da dança, concretamente, coloca-nos sempre questões éticas porque é imediato. É válido para qualquer forma de arte, mas na dança é muito claro, porque trabalhamos com o outro corpo, que não é abstrato. É um corpo com uma identidade, uma raça, as suas questões e singularidades, com as quais o coreógrafo vai trabalhar, lidar e dialogar artisticamente. Por isso, há logo um “Como vou jogar com o outro?”, um “Como me relaciono com o rosto do outro?”. O que é que o outro me está a dizer? Não posso ignorá-lo! Portanto, a partir daqui, há logo um princípio que tem de ser equacionado, quando a nossa matéria é o corpo do outro. No meu caso, desenvolvi uma metodologia de trabalho que precisamente tenta conciliar aquilo que é o meu impulso e a minha vontade de criação e de transformar o movimento em gesto e de trabalhar isso com o outro corpo. Eu chamo-lhe “familiaridade de movimento”, que passa por produzir uma série de material que vou explorando em improvisações e, a partir desse momento, existe um processo de transmissão mais direto e imediato, em que o bailarino capta - o que lhe ficou na memória, o que ficou retido – e, a partir daqui, criamos uma matéria coreográfica com familiaridades entre os diferentes corpos e gestos. Cada bailarino é um corpo, cada bailarino é um gesto. Portanto, há semelhanças e diferenças sistemáticas. Recorrendo a esta metodologia, consigo conciliar a diferença com a linha motriz do que quero expor, sem impor, sem formatar e sem modelar.