Retratos
Filipe Pereira
Setembro
2021
Ter
14
Sobre Arranjo Floral
Podemos olhar para o teu espetáculo como um trabalho autobiográfico? De que forma? O que crês que este espetáculo pode revelar sobre ti, enquanto criador?
Este trabalho é autobiográfico de um espectro muito particular da minha vida. Claro que, enquanto criador, não dissocio o trabalho da dita “vida”. Não separo os campos — um é consequência de outro e vice-versa. Mas, num foro concreto, abstraindo o peso do autorretrato, a minha presença na peça medeia a participação de outros corpos que não somente o humano, como corpos inertes ou vegetais. Nesse sentido, intersectando o arranjo floral com o que tenho vindo a pesquisar no meu trabalho enquanto coreógrafo, fascino-me ao "des-hierarquizar" as convenções do espetáculo, ao dispersar a coreografia da figura do performer para outros corpos de matérias diversas.
Durante o teu processo de criação, partiste ou inspiraste-te em algum trabalho autobiográfico, autorretrato ou outro tipo de referência?
No início, aquando da apresentação da proposta pela Lola, ela falou-me dos vários artistas que, até então, tinham integrado o ciclo Mis Documentos e tive oportunidade de ver alguns dos objetos finais em formato de vídeo. Contudo, não foram em momento algum condicionantes ou espartilharam o que viria a criar a seguir. Lembro-me de pensar, também, na conferência-performance, OLDSCHOOL#40, do João dos Santos Martins, e na forma como ele fala de si mesmo quando fundou o grupo de danças, Dreams, na sua adolescência em Póvoa de Santarém. Estava interessado na relação que se estabelece com essa informação e os restantes conteúdos díspares da sua peça. Se, de algum modo, a ideia de autobiografia sempre me suscitou uma certa urticária pela possível irrelevância da autoexposição do indivíduo aos outros, nesta proposta foi inevitável escapar de falar de mim mesmo. Tenho a certeza de que o contexto é que possibilitou o resultado final da peça, de outro modo, não me veria a utilizar tais conteúdos num trabalho artístico.
Há algum retrato ou autorretrato que te inspire?
Há coisas de naturezas distintas provenientes de retratos ou autorretratos que tive oportunidade de ver e experienciar no contexto das artes performativas e não só que me inspiram, sim. Contudo, por vezes, não sei precisar a fonte de origem dessas mesmas imagens/memórias/pequenos detalhes, que se misturam na minha cabeça com outras fontes igualmente inspiradoras. O romance, Orlando, da Virginia Woolf, é um objeto que me pode ter nutrido indiretamente — um homem que se transforma em mulher e atravessa com o seu corpo vários tempos e meios sociais tomando o seu espaço em múltiplos contextos — faço relação com o que vou vivendo.
De que forma o ritualístico e/ou o religioso estão presentes no teu espetáculo?
Não é um caso de animismo, porque não chego a falar com as coisas, mas gosto de as ver, porque têm personalidade. Se é ritual não sei, mas vejo como ações imprescindíveis que me conduzem a um momento especial.
Apesar de estarmos perante um solo, trabalhaste com outros criativos e profissionais, de que forma esse olhar externo sobre premissas, eventualmente, mais individuais, contagiaram o espetáculo e a tua visão sobre o mesmo?
Comecei por fazer um levantamento cronológico dos eventos relacionados com flores, dança, deus e o contexto da cidade de Fátima, até então, no meu percurso. Isto antes de me encontrar fisicamente com a Lola numa semana de trabalho a meio do processo de criação da peça. Escrevi muitas mais coisas que, entretanto, foram colocadas de parte — de alguma maneira, abriam outras temáticas de conteúdo. Além da Lola, a equipa de trabalho durante essa semana foi constituída pela Bibiana Mendes Picado que fez acompanhamento dramatúrgico e pelos outros dois artistas que integraram, com as suas conferências, o ciclo Mis documentos, no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa — a Marta Mateus e o Pedro Penim. Embora, não só nessa semana, mas durante os dias antecedentes da estreia, foi um trabalho literal de corte e cose do texto: fui escrevendo e reescrevendo até ao espetáculo através do olhar destas pessoas.
Porquê o formato de conferência-performance?
Arranjo Floral foi criado para um contexto específico que condicionou desde o início o seu formato: o ciclo de conferências-performance, Mis documentos, da dramaturga argentina, Lola Arias. Nesta iniciativa, artistas de múltiplas áreas são convidados a criar uma conferência "performada" com base numa pesquisa pessoal, coleção, obsessão, segredo ou interesse, paralelo ao trabalho artístico de cada interveniente. No meu caso, foi óbvio, desde o início, que as flores seriam o assunto. É claro que ao imaginar-me a falar sobre qualquer coisa perante uma plateia me assustou desde o início, mas esse foi o desafio maior que me fez aceitar a proposta. Reconheço, neste dispositivo, uma força inerente ao discurso oral pela forma direta de comunicação com as pessoas através da palavra, em contraponto à natureza mais abstrata da expressão de uma dança, por exemplo.
Podemos olhar para o teu espetáculo como um trabalho autobiográfico? De que forma? O que crês que este espetáculo pode revelar sobre ti, enquanto criador?
Este trabalho é autobiográfico de um espectro muito particular da minha vida. Claro que, enquanto criador, não dissocio o trabalho da dita “vida”. Não separo os campos — um é consequência de outro e vice-versa. Mas, num foro concreto, abstraindo o peso do autorretrato, a minha presença na peça medeia a participação de outros corpos que não somente o humano, como corpos inertes ou vegetais. Nesse sentido, intersectando o arranjo floral com o que tenho vindo a pesquisar no meu trabalho enquanto coreógrafo, fascino-me ao "des-hierarquizar" as convenções do espetáculo, ao dispersar a coreografia da figura do performer para outros corpos de matérias diversas.
Durante o teu processo de criação, partiste ou inspiraste-te em algum trabalho autobiográfico, autorretrato ou outro tipo de referência?
No início, aquando da apresentação da proposta pela Lola, ela falou-me dos vários artistas que, até então, tinham integrado o ciclo Mis Documentos e tive oportunidade de ver alguns dos objetos finais em formato de vídeo. Contudo, não foram em momento algum condicionantes ou espartilharam o que viria a criar a seguir. Lembro-me de pensar, também, na conferência-performance, OLDSCHOOL#40, do João dos Santos Martins, e na forma como ele fala de si mesmo quando fundou o grupo de danças, Dreams, na sua adolescência em Póvoa de Santarém. Estava interessado na relação que se estabelece com essa informação e os restantes conteúdos díspares da sua peça. Se, de algum modo, a ideia de autobiografia sempre me suscitou uma certa urticária pela possível irrelevância da autoexposição do indivíduo aos outros, nesta proposta foi inevitável escapar de falar de mim mesmo. Tenho a certeza de que o contexto é que possibilitou o resultado final da peça, de outro modo, não me veria a utilizar tais conteúdos num trabalho artístico.
Há algum retrato ou autorretrato que te inspire?
Há coisas de naturezas distintas provenientes de retratos ou autorretratos que tive oportunidade de ver e experienciar no contexto das artes performativas e não só que me inspiram, sim. Contudo, por vezes, não sei precisar a fonte de origem dessas mesmas imagens/memórias/pequenos detalhes, que se misturam na minha cabeça com outras fontes igualmente inspiradoras. O romance, Orlando, da Virginia Woolf, é um objeto que me pode ter nutrido indiretamente — um homem que se transforma em mulher e atravessa com o seu corpo vários tempos e meios sociais tomando o seu espaço em múltiplos contextos — faço relação com o que vou vivendo.
De que forma o ritualístico e/ou o religioso estão presentes no teu espetáculo?
Não é um caso de animismo, porque não chego a falar com as coisas, mas gosto de as ver, porque têm personalidade. Se é ritual não sei, mas vejo como ações imprescindíveis que me conduzem a um momento especial.
Apesar de estarmos perante um solo, trabalhaste com outros criativos e profissionais, de que forma esse olhar externo sobre premissas, eventualmente, mais individuais, contagiaram o espetáculo e a tua visão sobre o mesmo?
Comecei por fazer um levantamento cronológico dos eventos relacionados com flores, dança, deus e o contexto da cidade de Fátima, até então, no meu percurso. Isto antes de me encontrar fisicamente com a Lola numa semana de trabalho a meio do processo de criação da peça. Escrevi muitas mais coisas que, entretanto, foram colocadas de parte — de alguma maneira, abriam outras temáticas de conteúdo. Além da Lola, a equipa de trabalho durante essa semana foi constituída pela Bibiana Mendes Picado que fez acompanhamento dramatúrgico e pelos outros dois artistas que integraram, com as suas conferências, o ciclo Mis documentos, no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa — a Marta Mateus e o Pedro Penim. Embora, não só nessa semana, mas durante os dias antecedentes da estreia, foi um trabalho literal de corte e cose do texto: fui escrevendo e reescrevendo até ao espetáculo através do olhar destas pessoas.
Porquê o formato de conferência-performance?
Arranjo Floral foi criado para um contexto específico que condicionou desde o início o seu formato: o ciclo de conferências-performance, Mis documentos, da dramaturga argentina, Lola Arias. Nesta iniciativa, artistas de múltiplas áreas são convidados a criar uma conferência "performada" com base numa pesquisa pessoal, coleção, obsessão, segredo ou interesse, paralelo ao trabalho artístico de cada interveniente. No meu caso, foi óbvio, desde o início, que as flores seriam o assunto. É claro que ao imaginar-me a falar sobre qualquer coisa perante uma plateia me assustou desde o início, mas esse foi o desafio maior que me fez aceitar a proposta. Reconheço, neste dispositivo, uma força inerente ao discurso oral pela forma direta de comunicação com as pessoas através da palavra, em contraponto à natureza mais abstrata da expressão de uma dança, por exemplo.