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Entrevista

Jorge Pinto

Setembro

2021

Sex
24
Intérprete de A História do Soldado de Stravinsky/Ramuz, de Ensemble - Sociedade de Actores com Né Barros, a ser apresentado entre os dias 6 e 9 de outubro no Teatro Campo Alegre, e no dia 10 de outubro no âmbito do TMP Online.

Esta versão de A História do Soldado marca o seu regresso a um texto que já interpretou no passado. Como está a ser revisitar esta obra?

Para quem já trabalhou neste espetáculo, como é o meu caso e o do maestro, a grande questão que se coloca é: “Como é que eu estou? O que é que eu aprendi, entretanto?” Eu começo a fazer isto há quarenta e tal anos e lembro-me, ao rever agora, de algumas coisas que aprendi ao longo dos anos. Vieram-me à cabeça: “na altura aprendi este e aquele recurso…” E agora quero saber como é que estou e como é que vou responder a essas mesmas questões.
Mas isso é uma curiosidade muito própria; não é uma coisa que o espectador vai encontrar. O espectador vai ver é um espetáculo de hoje. À medida que avançamos no processo, vamos percebendo (ou não) onde é que ele se torna de hoje.
Não há arqueologia em relação às experiências que tive como ator, por exemplo. O texto, a forma de frasear tem um tempo, tem décadas em cima. A comunicação com o público, especialista ou não, tem décadas em cima. Isto é: a relação entre plateia e palco nunca parou. É muito fácil para nós percebermos quando alguma coisa está datada, mesmo no relacionamento com a plateia.

Porquê esta peça? O que representam esta escolha e esta adaptação para o Ensemble?

Quando, adolescente, comecei a comprar discos, dos Beatles, o meu pai apresentou-me vários autores clássicos. Estava habituado a uma música clássica fácil de digerir e, de repente, ouço Stravinski. Fiquei completamente passado.
Na época, não tinha assim tanto teatro dentro de mim. Mas tinha já o suficiente para perceber que aquilo era suficientemente dramático para se ouvir e fazer as vezes que fossem necessárias. Não como um reconhecimento, mas como uma unidade perturbadora a cada momento. Sempre que a ouvimos, a música volta a perturbar-nos. Por isso, eu persegui o soldado. Entretanto, tive oportunidade de ver outras peças de dança feitas a partir da música de Stravinski. A Olga Roriz fez A Sagração da Primavera, que era extraordinário… Mais uma vez, uma música que nos provoca.
Fiquei com tudo isso guardado. Nos anos 80, percebo como é que o teatro está misturado com a música do Stravinski, particularmente n’A História do Soldado. E a multiplicidade de possibilidades que há de jogar a representação com a música.
Quando, mais tarde, começámos a fazer espetáculos interdisciplinares, chegámos a 2018 e fazemos Quatuor pour la fin du temps [Quarteto para o fim do tempo], de Olivier Messiaen. Quando estava a fazer isso – fui eu que dirigi – comecei a sentir o Stravinski muito presente. Então, pensei que podia cumprir um sonho antigo: fazer A História do Soldado com sete músicos. Naquela época era incomportável, mas agora há essa possibilidade: podemos contratar um ensemble. Do mesmo modo, pensámos que também na dança poderíamos dar um salto muito grande, caso a Né aceitasse participar no projeto. É assim que surge este espetáculo. É um processo; um enriquecimento das nossas paixões musicais e teatrais. A Né aceitou o nosso desafio e cá estamos.

Pode falar-nos um pouco da sua personagem?

Quisemos que esta versão fosse constituída maioritariamente por uma imagem de corpos, uma imagem mais ligada à dança contemporânea. A minha é o narrador, que depois se desdobra, interpretando as personagens que ele próprio conta.

Sendo A História do Soldado uma peça emblemática de diferentes áreas artísticas, de que forma cada uma dessas áreas pauta o espetáculo que estão a preparar?

É inevitável que este espetáculo seja dominado pela música. Vamos fazê-la toda como ela está escrita. Mas a proposta é que esta versão seja também dominada pela dança contemporânea, pela visão da Né Barros. Pretendemos que seja o denominador comum. Se depois vamos ver nos músicos, no Ensemble, mais ou menos dinâmica, não sei…. Não há um piano – porque até um piano podia deambular pelo palco – mas isso é algo que ainda vai ser criado.
Estou certo de que o espectador – mais amante da música, mais amante da dança ou mais amante do teatro – irá sentir o espetáculo de maneira diferente.

© DR

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