Entrevista
Marco da Silva Ferreira
Setembro
2022
Ter
6
Nos dias 16 e 17 setembro, a apresentação de Via Injabulo [Alegria], da companhia de dança sul-africana Via Katlehong, abre a temporada 22/23 do TMP. A propósito do período de residência da companhia, em junho, no Campo Alegre, conversámos com Marco da Silva Ferreira sobre førma Inførma (uma das duas coreografias que integram o espetáculo).
Como surgiu o convite por parte da Via Katlehong? Já tinhas trabalhado ou conhecias o trabalho da companhia? Como está a decorrer o processo de criação de førma Inførma?
No ano passado, surgiu o convite para coreografar a Via Katlehong, a companhia de Katlehong, próximo de Joanesburgo. Após várias conversas com o agente e com o diretor da companhia, acabámos por aceitar o convite. Estive, entre janeiro e março, a trabalhar na África do Sul. Depois, fizemos uma pausa, e estamos novamente em junho, aqui no Porto, a fazer a última residência técnica. Vamos diretos para Amesterdão para estrear.
A dança é um elemento fundamental para a construção de uma identidade coletiva. Como descreverias a importância do pantsula no contexto social sul-africano?
Esta companhia tem como técnica ou prática de base o pantsula, um estilo de dança que surgiu nas comunidades negras da África do Sul, especificamente nas townships, construídas no Apartheid precisamente para alojar e separar a comunidade negra da comunidade branca. Naturalmente, esta é uma dança que surge num contexto social, que é um motor biopolítico, um motor sociopolítico. Portanto, é impossível dissociar que esta dança surgiu neste contexto. E, ela vem como resposta a quê? Vem como resposta a várias coisas: a um reclamar de felicidade, de liberdade, de comunidade, de sentido de pertença, de estar junto, de empoderamento. É uma dança de pés, muito rica, rápida, urgente e viva. Cheia de staccato e de cortes, quase como se o corpo estivesse sempre a tentar encontrar novas formas de se configurar. Isto foi a maneira como eu li e que decidi transpor um pouco para o trabalho.
Para além do pantsula, há um cruzamento com danças de origem afro-americana (popping, house), clubbing...
Nunca tinha feito pantsula, nem nunca tinha tido um contacto direto. Tinha visto vários vídeos, documentários. De repente, na cena de clubbing afrohouse, o pantsula é uma referência enorme. E, eu estou muito próximo das danças que existem no clubbing, especificamente, o house. O house é uma dança que surgiu nos anos 80 em Nova Iorque, mas que, já na altura, fusionava as danças tradicionais afrodescendentes com a salsa, o sapateado, o Fred Astaire e algumas referências mais americanas. Naturalmente, com o passar dos anos, estas ligações às origens afro e da diáspora acabaram por ficar mais presentes porque a internet e a globalização chegaram de uma maneira muito rápida. De repente, as referências viajam muito mais rápido do que antes. O pantsula entrou neste léxico do clubbing, do house e do amapiano (a música-base do pantsula). Dentro do afrohouse temos o kuduro, o pantsula e muitos outros estilos, dependendo de cada zona e de cada país. E também géneros musicais, formas de vestir e contextos de interação específicos, mas encontram-se todos no clubbing.
De que forma cruzaste essas referências e estilos com os próprios elementos culturais do elenco?
O pantsula é uma dança muito cortada e muito rápida. Isso, para mim, foi muito importante e interessante de pegar. Queria perceber qual era a urgência e o humor que a dança tem – porque é uma dança com bastante humor – e por que razão era tão recortada; por que razão aquelas formas eram tão recortadas e o corpo se quebrava tanto, e se remontava. Então, esta ideia veio-me naturalmente muito ligada a corpos que se tentam remontar, que são capazes de se desmantelarem e voltar a encontrar-se numa forma nova. A velocidade e a relação com a urgência, o rápido, a excitação, eventualmente, com um reclamar de alguma felicidade, de libertação e de euforia: até porque é difícil a vida numa township. Os acessos são difíceis: é muita gente a viver junto; não é rápido; não é prático. Logo, existiu uma natural vontade que a dança pudesse ser uma fuga. Nesta peça, førma Inførma, parto exatamente da forma do pantsula, para que ela me informe sobre o que é. Existe um coletivo negro que chega a um espaço e que o decide ocupar, e abrir para respirar, para fazer qualquer coisa respirar. Decide tomar este lugar e transformá-lo como grupo, através dos seus elementos culturais. Claro que usei o pantsula, mas usei também as minhas referências de dança. Usei a composição, as cores e as dinâmicas para potenciar uma ficção, uma poesia que pode ser muito explícita - se a quisermos ler de forma muito literal - e pode ser muito poética, também, porque é um pouco sem tempo.
Como surgiu o convite por parte da Via Katlehong? Já tinhas trabalhado ou conhecias o trabalho da companhia? Como está a decorrer o processo de criação de førma Inførma?
No ano passado, surgiu o convite para coreografar a Via Katlehong, a companhia de Katlehong, próximo de Joanesburgo. Após várias conversas com o agente e com o diretor da companhia, acabámos por aceitar o convite. Estive, entre janeiro e março, a trabalhar na África do Sul. Depois, fizemos uma pausa, e estamos novamente em junho, aqui no Porto, a fazer a última residência técnica. Vamos diretos para Amesterdão para estrear.
A dança é um elemento fundamental para a construção de uma identidade coletiva. Como descreverias a importância do pantsula no contexto social sul-africano?
Esta companhia tem como técnica ou prática de base o pantsula, um estilo de dança que surgiu nas comunidades negras da África do Sul, especificamente nas townships, construídas no Apartheid precisamente para alojar e separar a comunidade negra da comunidade branca. Naturalmente, esta é uma dança que surge num contexto social, que é um motor biopolítico, um motor sociopolítico. Portanto, é impossível dissociar que esta dança surgiu neste contexto. E, ela vem como resposta a quê? Vem como resposta a várias coisas: a um reclamar de felicidade, de liberdade, de comunidade, de sentido de pertença, de estar junto, de empoderamento. É uma dança de pés, muito rica, rápida, urgente e viva. Cheia de staccato e de cortes, quase como se o corpo estivesse sempre a tentar encontrar novas formas de se configurar. Isto foi a maneira como eu li e que decidi transpor um pouco para o trabalho.
Para além do pantsula, há um cruzamento com danças de origem afro-americana (popping, house), clubbing...
Nunca tinha feito pantsula, nem nunca tinha tido um contacto direto. Tinha visto vários vídeos, documentários. De repente, na cena de clubbing afrohouse, o pantsula é uma referência enorme. E, eu estou muito próximo das danças que existem no clubbing, especificamente, o house. O house é uma dança que surgiu nos anos 80 em Nova Iorque, mas que, já na altura, fusionava as danças tradicionais afrodescendentes com a salsa, o sapateado, o Fred Astaire e algumas referências mais americanas. Naturalmente, com o passar dos anos, estas ligações às origens afro e da diáspora acabaram por ficar mais presentes porque a internet e a globalização chegaram de uma maneira muito rápida. De repente, as referências viajam muito mais rápido do que antes. O pantsula entrou neste léxico do clubbing, do house e do amapiano (a música-base do pantsula). Dentro do afrohouse temos o kuduro, o pantsula e muitos outros estilos, dependendo de cada zona e de cada país. E também géneros musicais, formas de vestir e contextos de interação específicos, mas encontram-se todos no clubbing.
De que forma cruzaste essas referências e estilos com os próprios elementos culturais do elenco?
O pantsula é uma dança muito cortada e muito rápida. Isso, para mim, foi muito importante e interessante de pegar. Queria perceber qual era a urgência e o humor que a dança tem – porque é uma dança com bastante humor – e por que razão era tão recortada; por que razão aquelas formas eram tão recortadas e o corpo se quebrava tanto, e se remontava. Então, esta ideia veio-me naturalmente muito ligada a corpos que se tentam remontar, que são capazes de se desmantelarem e voltar a encontrar-se numa forma nova. A velocidade e a relação com a urgência, o rápido, a excitação, eventualmente, com um reclamar de alguma felicidade, de libertação e de euforia: até porque é difícil a vida numa township. Os acessos são difíceis: é muita gente a viver junto; não é rápido; não é prático. Logo, existiu uma natural vontade que a dança pudesse ser uma fuga. Nesta peça, førma Inførma, parto exatamente da forma do pantsula, para que ela me informe sobre o que é. Existe um coletivo negro que chega a um espaço e que o decide ocupar, e abrir para respirar, para fazer qualquer coisa respirar. Decide tomar este lugar e transformá-lo como grupo, através dos seus elementos culturais. Claro que usei o pantsula, mas usei também as minhas referências de dança. Usei a composição, as cores e as dinâmicas para potenciar uma ficção, uma poesia que pode ser muito explícita - se a quisermos ler de forma muito literal - e pode ser muito poética, também, porque é um pouco sem tempo.