Retratos
Joana Castro
Maio
2022
Qua
18
Sobre RITE OF DECAY
Podemos olhar para o teu espetáculo como um trabalho autobiográfico? De que forma? O que crês que este espetáculo pode revelar sobre ti, enquanto criadora?
A presença da morte na minha vida tem sido uma constante e, inevitavelmente, ideias como a morte, o luto, a extinção, a decadência e rituais de fim têm-me atravessado e invadido as minhas criações. RITE OF DECAY surge no final de 2018 após uma pausa para estar presente nos últimos tempos de vida de uma pessoa próxima e, consequentemente, uma nova reflexão, e um reconfigurar da minha forma de ser e estar no mundo, enquanto indivídua e artista. Não esquecendo que as questões mais individuais, para além de inseridas num contexto social e cultural específicos, são sempre atravessadas por questões coletivas e globais. As problemáticas políticas nesse ano que elevaram o pessimismo crescente dos anos anteriores, como a eleição da extrema-direita no Brasil, a saída do Reino Unido da União Europeia, o reconhecimento, pelos Estados Unidos da América, de Jerusalém como capital de Israel, evidenciando o apoio à política sionista de Israel e uma reforçada agressão ao povo palestino, e muitas outras guerras noutras partes do mundo, levaram-me a descobrir Emil Cioran, um filósofo franco-romeno que aborda as questões do tempo, da morte, do nascimento, do suicídio, com um pensamento radicalmente pessimista, niilista e paradoxal, que nega o valor da vida sem desejar a morte. Para ele, o suicídio não é necessário nem eficaz, não por ser imoral ou pecaminoso, mas por ser um ato que acontece tarde demais, pois o mal já foi feito no momento em que nascemos. A forma como aborda a existência humana ou qualquer outra dotada de consciência, afirmando que qualquer tipo de consciência ter-se-ia beneficiado se nunca tivesse nascido, ficando apenas na potencialidade de existir, dá início à minha investigação de um corpo cheio de memórias que potenciam várias existências e suas mortes numa dança com os seus fantasmas mais vivencias ou ancestrais.
Durante o teu processo de criação, inspiraste-te em algum trabalho autobiográfico ou autorretrato?
Não diria que me tenha inspirado diretamente em alguma obra ou artista, apesar de muito do que somos ser fruto de encontros e influências várias. Mas há algumas artistas que, de uma forma ou de outra, me vão acompanhando no meu percurso. Talvez a mais presente neste processo tenha sido Louise Bourgeois.
Este projeto assenta na construção de uma reflexão sobre a morte, o fim, certo? Como é que se constrói algo a partir do fim? O que pode nascer daí? O que pode nascer ao matarmos o sentido e a matéria?
Após a morte, há todo um processo de aceitação, de despedida, de luto. A morte vai acontecendo várias vezes ao longo da nossa vida, quer testemunhemos o desaparecimento de algum ser próximo , quer o fim de uma relação, por exemplo. A morte é um acontecimento para quem a testemunha, potenciando uma transformação na sua condição existencial. O fim de um ciclo é o início de outro, como a matéria que ao morrer se transforma noutra. Somos seres dotados de consciência e memória. Mas, “a História” predominante, inventada pelo homem branco, e que rege as ditas normas que, ainda hoje, uma minoria se debate para destruir, está cheia de guerras, invasões, violações, explorações de outros seres humanos, seres vivos e recursos naturais. Chega a ser vergonhosa a nossa situação atual, na iminência de uma 3.ª guerra mundial, quando a experiência que possuímos enquanto Humanidade nos deveria ter ensinado a cuidar e a respeitar o que nos rodeia. Vivemos em estado de amnésia crónica, destruindo e reconstruindo um “mundo ideal”, até o ponto em que não haverá mais mundo para viver.
Qual é a relação que se pode estabelecer entre RITE OF DECAY e o SU8MARINO? Que lugares evocam, constroem, reconstroem e conectam (ou não?)
Ambas as peças acontecem na escuridão. Em SU8MARINO (2016/17), a luz pertence ao corpo que ilumina o espaço que vai habitando; em RITE OF DECAY, a luz é exterior ao corpo, iluminando fragmentos deste, e, por vezes, o espaço vazio. SU8MARINO parte de uma reflexão sobre identidade, poder e território inseridos no contexto de “Desterritorialização” de Gilles Deleuze. A (des/re)construção de um corpo em constante mutação, que não se fixa, não se prende a nenhuma forma enraizada, onde a ocupação do espaço é ampla e frequente, predominando um movimento mais próximo do chão, rasteiro; e quando a potência deixa de ser uma possibilidade para começar a existir, esta desaparece em busca de uma outra. Em RITE OF DECAY, o corpo é sempre vertical e permanece maioritariamente no mesmo sítio, de pés enraizados no solo, circunscrito a um lugar onde ocorre a (des)multiplicação dessas várias potências, conectando-se a SU8MARINO, talvez, na promessa de uma existência que permanece fantasma dela mesma, habitando o “entre” o ser e o não ser, a existência e o nada.
Podemos olhar para o teu espetáculo como um trabalho autobiográfico? De que forma? O que crês que este espetáculo pode revelar sobre ti, enquanto criadora?
A presença da morte na minha vida tem sido uma constante e, inevitavelmente, ideias como a morte, o luto, a extinção, a decadência e rituais de fim têm-me atravessado e invadido as minhas criações. RITE OF DECAY surge no final de 2018 após uma pausa para estar presente nos últimos tempos de vida de uma pessoa próxima e, consequentemente, uma nova reflexão, e um reconfigurar da minha forma de ser e estar no mundo, enquanto indivídua e artista. Não esquecendo que as questões mais individuais, para além de inseridas num contexto social e cultural específicos, são sempre atravessadas por questões coletivas e globais. As problemáticas políticas nesse ano que elevaram o pessimismo crescente dos anos anteriores, como a eleição da extrema-direita no Brasil, a saída do Reino Unido da União Europeia, o reconhecimento, pelos Estados Unidos da América, de Jerusalém como capital de Israel, evidenciando o apoio à política sionista de Israel e uma reforçada agressão ao povo palestino, e muitas outras guerras noutras partes do mundo, levaram-me a descobrir Emil Cioran, um filósofo franco-romeno que aborda as questões do tempo, da morte, do nascimento, do suicídio, com um pensamento radicalmente pessimista, niilista e paradoxal, que nega o valor da vida sem desejar a morte. Para ele, o suicídio não é necessário nem eficaz, não por ser imoral ou pecaminoso, mas por ser um ato que acontece tarde demais, pois o mal já foi feito no momento em que nascemos. A forma como aborda a existência humana ou qualquer outra dotada de consciência, afirmando que qualquer tipo de consciência ter-se-ia beneficiado se nunca tivesse nascido, ficando apenas na potencialidade de existir, dá início à minha investigação de um corpo cheio de memórias que potenciam várias existências e suas mortes numa dança com os seus fantasmas mais vivencias ou ancestrais.
Durante o teu processo de criação, inspiraste-te em algum trabalho autobiográfico ou autorretrato?
Não diria que me tenha inspirado diretamente em alguma obra ou artista, apesar de muito do que somos ser fruto de encontros e influências várias. Mas há algumas artistas que, de uma forma ou de outra, me vão acompanhando no meu percurso. Talvez a mais presente neste processo tenha sido Louise Bourgeois.
Este projeto assenta na construção de uma reflexão sobre a morte, o fim, certo? Como é que se constrói algo a partir do fim? O que pode nascer daí? O que pode nascer ao matarmos o sentido e a matéria?
Após a morte, há todo um processo de aceitação, de despedida, de luto. A morte vai acontecendo várias vezes ao longo da nossa vida, quer testemunhemos o desaparecimento de algum ser próximo , quer o fim de uma relação, por exemplo. A morte é um acontecimento para quem a testemunha, potenciando uma transformação na sua condição existencial. O fim de um ciclo é o início de outro, como a matéria que ao morrer se transforma noutra. Somos seres dotados de consciência e memória. Mas, “a História” predominante, inventada pelo homem branco, e que rege as ditas normas que, ainda hoje, uma minoria se debate para destruir, está cheia de guerras, invasões, violações, explorações de outros seres humanos, seres vivos e recursos naturais. Chega a ser vergonhosa a nossa situação atual, na iminência de uma 3.ª guerra mundial, quando a experiência que possuímos enquanto Humanidade nos deveria ter ensinado a cuidar e a respeitar o que nos rodeia. Vivemos em estado de amnésia crónica, destruindo e reconstruindo um “mundo ideal”, até o ponto em que não haverá mais mundo para viver.
Qual é a relação que se pode estabelecer entre RITE OF DECAY e o SU8MARINO? Que lugares evocam, constroem, reconstroem e conectam (ou não?)
Ambas as peças acontecem na escuridão. Em SU8MARINO (2016/17), a luz pertence ao corpo que ilumina o espaço que vai habitando; em RITE OF DECAY, a luz é exterior ao corpo, iluminando fragmentos deste, e, por vezes, o espaço vazio. SU8MARINO parte de uma reflexão sobre identidade, poder e território inseridos no contexto de “Desterritorialização” de Gilles Deleuze. A (des/re)construção de um corpo em constante mutação, que não se fixa, não se prende a nenhuma forma enraizada, onde a ocupação do espaço é ampla e frequente, predominando um movimento mais próximo do chão, rasteiro; e quando a potência deixa de ser uma possibilidade para começar a existir, esta desaparece em busca de uma outra. Em RITE OF DECAY, o corpo é sempre vertical e permanece maioritariamente no mesmo sítio, de pés enraizados no solo, circunscrito a um lugar onde ocorre a (des)multiplicação dessas várias potências, conectando-se a SU8MARINO, talvez, na promessa de uma existência que permanece fantasma dela mesma, habitando o “entre” o ser e o não ser, a existência e o nada.